domingo, 6 de setembro de 2009

8- Os sombrios anos 30


No que respeita a Campo Maior, a vila que nos anos 20 tivera algum crescimento bem testemunhado com a construção de novos bairros, fora do perímetro das antigas muralhas em parte destruídas para que a povoação pudesse crescer, voltou a estagnar no decurso dos anos 30.

Nas terras de província, sobretudo nas zonas mais interiores do país, os anos 30 foram anos de estagnação.

No jornal de Portalegre A Rabeca, em Agosto de 1933, escrevia-se: O nosso futebol tem estacionado. Passam-se, por vezes, épocas seguidas em que os clubes não apresentam um elemento novo. Não podia ser mais clara a referência ao mau momento por que passou o futebol neste período fora dos grandes centros urbanos.

Portalegre, talvez por influência dos ingleses ligados aos negócios da cortiça, foi a segunda cidade portuguesa a ter uma associação de futebol. Mas, a Associação de Futebol de Portalegre deve ser considerada como uma associação da própria cidade e não como uma associação de carácter distrital, no período que estamos a considerar. Na verdade, os clubes da cidade disputavam entre si campeonatos de carácter local e o que saía vencedor podia ir disputar a nível nacional com os vencedores de outras associações. Esses torneios não incluíam clubes de outras terras do distrito. Estas quando jogavam com os clubes da cidade faziam-no em desafios de carácter particular.

O Estrela, principal clube da cidade nesta época, vencia a maior parte dos campeonatos da cidade, tendo sido, a partir de 1925 o representante da Associação de Portalegre no Campeonato de Portugal. Em 1925-26 enfrentou o Luso de Beja, tendo sido eliminado por 2-0; em 1925-26 foi eliminado pelo Casa Pia por 5-0; Em 1929-30 perdeu com o União de Lisboa por 5-2; em 1930-31 o Benfica ganhou por 8-3; e em 1931-32 por 2-1; o Barreirense ganhou-lhe por 6-0 em 1932-33. Estes resultados mostram a fragilidade do futebol na cidade denunciada pela Rabeca neste mesmo ano. Se Portalegre era a povoação em que o futebol estava mais avançado, podemos por estes resultados ter uma ideia do estado do futebol no distrito na década de 30.

Através da leitura dos jornais publicados em Portalegre nesta época, devemos concluir que não existiam contactos com os clubes de Campo Maior. Uma notícia de 23 de Novembro de 1933 dá-nos conta de que um dos um principais clubes que, na década anterior se dedicava à prática do futebol, já tinha deixado de existir: Foi nomeada uma Comissão Administrativa do Campo Maior Sport Club composta dos desportistas locais António Lavadinho Leitão, Marciano Cipriano, Francisco Marchã e António Regala. Com esta deliberação vai entrar em nova fase de progresso o Campo Maior Sport Club que desde o desaparecimento do Victória é o único organismo desportivo desta vila.

Do Sporting Club Campomaiorense nem uma palavra. Como se já não existisse. Aliás, devemos sublinhar este Campo Maior Sport Club não tinha mantido actividade significativa na prática do futebol na década anterior, quando o Victória e o Campomaiorense estavam em plena actividade. Refira-se também que dois dos elementos da comissão administrativa referidos na notícia, tinham, um deles sido jogador e outro Presidente da Assembleia Geral do Sporting Club Campomaiorense em 1927.

Vejamos o que se passava aqui mesmo ao lado, na vizinha cidade de Elvas que, no final dos anos 20, mantinha tantos contactos com os clubes de Campo Maior.

O Jornal de Elvas cujo nº1 se publicou em 11 de Janeiro de 1926, faz, ao longo dos anos seguintes frequentes referências aos desafios que se realizavam entre os clubes da cidade e entre estes e clubes de cidades vizinhas como, por exemplo, Vila Fernando, Estremoz, Portalegre, Badajoz. Mas não há qualquer referência a jogos em que tenham intervindo clubes de Campo Maior.

O mesmo jornal mostra claramente que os clubes de Elvas organizavam entre si campeonatos, mas estes não tinham carácter oficial porque os clubes de Elvas não estavam filiados em qualquer associação de futebol. No número 30 de 30 de Dezembro de 1928, o jornal publicava o Regulamento do Campeonato do Concelho de Elvas e, por duas vezes foram publicados nas páginas do jornal artigos a reclamar da necessidade de se constituir a Associação de Futebol de Elvas, o que mostra claramente que Elvas não se considerava integrada na Associação de Futebol de Portalegre o que retira qualquer possibilidade de carácter distrital a esta associação.

O Jornal de Elvas, até finais de 1931, faz uma única referência ao Sporting Club Campomaiorense, no nº 81 de 2 de Junho de 1929, por este clube ter ganho a Taça de Elvas em ping-pong com uma equipa formada por Adelino Marchã, Amilcar Fino e A.Vieira alguns dos quais, em 1927 apareceram ligados à equipa de futebol do Campomaiorense.

O mesmo jornal queixava-se das grandes dificuldades que o futebol elvense enfrentava e que não lhe permitiam melhorar, apontando como obstáculos:

- a falta de um campo com as dimensões regulamentares e bom piso, pois o do Rocio da Fonte Nova não tinha nem as dimensões adequadas, nem podia ser utilizado continuadamente;

- a falta de treinos metódicos e bem orientados;

- a falta de preparação física dos jogadores;

- a falta de categorias inferiores para recrutamento de novos talentos.

Por volta de 1929, o futebol elvense conhecia um período de pouco brilho, qualidade e entusiasmo. As corridas pedestres, os touros, o ping-pong, o hipismo, o tiro e o ciclismo, ocupavam o espaço das notícias desportivas, tornando-se cada vez mais raras e irregulares as notícias sobre jogos de futebol.

Finalmente, em 5 de Janeiro de 1930, o Jornal de Elvas noticiava a Inauguração do Stadium da Câmara com um jogo entre a Associação Académica de Coimbra e o Sporting Club Elvense que terminou com o resultado de 5-4.

A partir daí, o futebol reanimou-se. A Câmara teve de organizar um calendário de utilização das novas instalações desportivas pelos clubes da cidade, sendo nomeados: Sport Lisboa e Elvas; Sporting Club Elvense; Comércio e Industria; Grupo de Foot-Ball os Elvenses. Nessa época passam pela cidade clubes de gabarito como o Sporting de Espinho e o Victória de Setúbal; vêm também jogar à cidade o Grupo Desportivo de Portalegre, o Estremoz Foot-Ball Club , o Juventude de Évora, o Correo Estremeño, de Badajoz e o Deportivo Emérita, de Mérida.

Parece ter sido sol de pouca dura. No final de 1930, o futebol voltou a desaparecer das páginas do jornal. Foi por essa altura que uma selecção de jogadores de Elvas defrontou uma selecção de jogadores de Portalegre. O resultado de 11-0 a favor dos da capital de distrito mostra a diferença entre as capacidades futebolísticas das duas cidades.

Em Agosto de 1930, o jornal publicou em lugar de destaque, na 1ª página um artigo intitulado Anti-Schoot , no qual o autor, Domingos Lavadinho, afirmava: essa saúde corporal aparente que dá o futebol, é o predomínio do músculo sobre a inteligência e um processo de tirar ao corpo jovem o equilibrio do funcionamento dos orgãos...pelo desenvolvimento da musculatura das pernas, verdadeiros aleijões, pode-se avaliar o esforço desmedido do coração. Estas opiniões mostram que o futebol passou por um período em que não era bem visto pelas elites que começavam a ser dominantes devido à ascensão do projecto que viria a ser chamado de Estado Novo.

Também para o Sporting Clube Campomaiorense, a década de 30 constituiu um período muito obscuro. O clube não participava em campeonatos regionais. Limitava-se a esporádicos desafios com agrupamentos de terras vizinhas. Não tinha campo em condições e os transportes difíceis tornavam impraticáveis as deslocações mesmo a curtas distâncias.

Em 24 de Agosto de 1930, o Jornal de Elvas noticiava a inauguração da Campo Maior Central: este melhoramento, um dos maiores com que Campo Maior ultimamente foi dotado, trás à risonha e próspera vila as maiores vantagens. Até então, quasi isolada do resto do país pelo péssimo estado das suas vias de comunicação, começou a sentir o benéfico resultado da arrojada iniciativa de Agostinho Albino, com a abertura ao público dum serviço diário da camionete ... um lindo Auto-Ónibus Citroen. ( A linha foi inaugurada em 6 de Agosto de 1930 ).

Alguma vantagem iria trazer para o desenvolvimento geral da povoação. Mas faltavam ainda outras condições essenciais para o desenvolvimento do futebol campomaiorense que , tudo o leva a crer, tinha caído num período de marasmo. Ainda se iriam seguir dez longos anos até que estivesse cumprida uma velha aspiração: a construção de um verdadeiro campo de futebol.


uma obra de Joaquim Folgado e Francisco Galego