terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O Campomaiorense mudou de vida: "O que era para 22, agora é para milhares de pessoas"

Aquele 20 de Maio de 2001 era uma tarde quente. Em pleno Alentejo, a poucos quilómetros da fronteira de Espanha, cerca de 4500 pessoas juntaram-se para assistir a um espectáculo desportivo que não voltaria a repetir-se na vila: um jogo de futebol de I Liga em Campo Maior. Foi a última vez que houve um clube do Alentejo naquele escalão e foi a última vez que o interior esteve representado no principal campeonato do futebol português.

Nesse dia, o Campomaiorense venceu o Sporting (1-0), com um golo de Hugo Poejo. "Foi uma jogada do lado direito. Não sei se foi o Patacas, mas a bola cruzou a área e apareci no segundo poste", relembra Poejo, actualmente treinador dos juvenis B do Real Massamá. Uma semana depois, a equipa alentejana perdeu em Alverca (2-1), despedindo-se do escalão principal do futebol nacional. Seguiu-se um ano da II Liga e logo depois a decisão de acabar com o futebol profissional.

Dez anos após a última participação no principal campeonato, o Sporting Clube Campomaiorense (SCC) é muito diferente. O futebol deixou de ser a única modalidade. Nasceram o basquetebol, o futsal e a natação. E outras podem aparecer em breve, como o ténis e o BTT. E, acima de tudo, houve uma mudança de mentalidade: o clube abriu-se à sociedade. "Isto antes era para 22 [futebolistas] e agora é para milhares de pessoas", diz Nuno Travassos, vice-presidente do SCC, enquanto mostra espaços dentro do estádio, que anteriormente eram vedados e passaram a estar à disposição da população. O ginásio dos atletas tornou-se aberto ao público e várias salas foram reconvertidas em consultórios médicos e de fisioterapia. Todos os meses, na clínica do Campomaiorense (chamada Clube Saúde), são realizadas 1500 consultas, além de mais de 700 atletas praticarem desporto com as cores do emblema alentejano.

"O que agora investimos num ano, provavelmente gastaríamos num mês com o futebol profissional", diz Nuno Travassos, revelando não haver qualquer arrependimento pelo abandono do profissionalismo: "Essa saída não só não prejudicou a população, como lhe deu mais condições", argumenta o dirigente, que é também um dos responsáveis pela logística na Delta Cafés.

A ligação à grande empregadora do concelho, aliás, é algo que não sofreu alterações: João Manuel Nabeiro, filho do criador da empresa, continua a ser o presidente da direcção e o donativo da família Nabeiro é a única fonte de receitas do clube - as quotas dos 1100 sócios são irrisórias.

A equipa sénior do Campomaiorense, renascida em 2006-07, joga na I Divisão distrital da Associação de Futebol de Portalegre, ao lado do Elvas, outro dos históricos clubes alentejanos - o Lusitano de Évora foi o outro representante da região na I Liga. Longe desses tempos - e sem perspectiva de que algo mude, até porque o Juventude de Évora e o Atlético de Reguengos (ambos da II Divisão) são os que estão mais acima na hierarquia - o futebol no Alentejo é feito com jovens da terra. "Temos uma média de idades de 25 anos e 80 por cento do plantel é de cá", congratula-se o treinador Luís Maia, gabando-se de a sua equipa ter o melhor ataque da Europa, com 67 golos (63 no campeonato e quatro na Taça).

Jorginho, que esteve na equipa do Campomaiorense finalista da Taça (1998-99) e que jogou na I Liga, ainda representa o clube e não esconde o saudosismo dos tempos do profissionalismo. Algo que, no entanto, não está nos horizontes do clube. "Voltar ao futebol profissional não está nem nos planos mais remotos", garante Nuno Travassos. Aliás, mesmo que o Campomaiorense vença o campeonato deste ano, nem sequer é garantido que a direcção queira subir para a III Divisão.

O abandono do profissionalismo evitou que o Campomaiorense seguisse o caminho de dificuldades financeiras em que embarcaram outros clubes, mas também teve "custos" no apoio dos adeptos. "Já não vou ao futebol há mais de dez anos", confidenciou António Reis, um adepto que encontrámos no centro da vila. E não foram poucos os campomaiorenses que disseram "não ligar à bola".

Certo é que há dez anos também não ligavam tanto assim. O estádio local só encheu duas vezes, em jogos contra o Benfica. E também, por isso, a opção do clube se virou mais para o futebol jovem. Só entre os quatro e os 14 anos há mais de 150 atletas, que contam um apoio especial. A antiga sala de imprensa foi transformada numa sala de apoio, onde é possível estudar, jogar ténis de mesa e ter o acompanhamento de um psicólogo. É lá também que estes rapazes (e algumas raparigas) lancham e passam algum tempo antes dos treinos. Porque, como se lê numa placa afixada dentro do balneário, o mote do Campomaiorense é "mais do que um clube, uma família".

Público